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Educação/Vestibular
Segunda - 24 de Novembro de 2025 às 08:49
Por: Barbará Sá/Diário de Cuibá

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Aulas na Assembleia de Legislativa de Mato Grosso, com a Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Aulas na Assembleia de Legislativa de Mato Grosso, com a Educação de Jovens e Adultos (EJA)

À noite, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), o vaivém dos políticos cessa e os gabinetes escurecem — mas outra luz se acende: a da Educação.

As salas do Parlamento se transformam em salas de aula, e professores da Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT) ocupam as lousas.

No refeitório, o jantar chega quente para quem retoma o ensino médio depois de anos longe da escola, às vezes uma vida inteira.

Criada dentro da ALMT, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) já formou três turmas e se consolidou como uma das iniciativas mais transformadoras — e discretas — do Legislativo mato-grossense.

Maria Auxiliadora Miranda da Costa, 55, sabe bem o peso desse retorno.

“Voltei a estudar depois de 30 anos. Era um sonho parado.”

Todos os dias, ela sai do trabalho como cuidadora de alunos com deficiência em uma escola pública na região do Coxipó e cruza a cidade para chegar ao Parlamento.

Hoje, no segundo ano da EJA, faz planos de ingressar no ensino superior — pensa em fisioterapia, especialmente na área infantil.

Assim como Maria Auxiliadora, muitos encontraram ali uma porta que nunca haviam conseguido abrir.

A ideia da EJA na Assembleia surgiu em 2023, quando a psicopedagoga Telma Santos chegou à Secretaria de Escola de Memória do Legislativo, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

Um espaço de formação e cidadania que oferece cursos e ações educativas para servidores e para a comunidade, ampliando oportunidades de aprendizado e aproximando a população do Poder Legislativo, e percebeu que, por trás da rotina frenética do Parlamento, havia servidores que não haviam concluído o ensino médio — ao menos 46 deles, segundo uma pesquisa interna.

Santos levou o diagnóstico ao gabinete do deputado Eliseu Nascimento (PL), recebeu aval para desenvolver o projeto e o apresentou à equipe da Escola do Legislativo, que reconheceu a urgência.

Com apoio da gestão, ela articulou uma parceria com a Seduc para transformar a proposta em política pública.

Desde então, o programa funciona como sala anexa ao Colégio Estadual Antônio Cesário Neto.

A Seduc fornece professores, material didático e uniformes; a Assembleia disponibiliza a estrutura completa: salas, segurança, limpeza e o refeitório onde o jantar é servido antes das aulas.

As turmas estudam de segunda a quinta-feira, das 18h às 21h30.“Nosso objetivo é oferecer oportunidades de aprendizado e aproximar a população do Poder Legislativo”, afirma Marcela Bruna Vieira Castro, secretária da escola do Legislativo, ao qual o EJA está incluído..

Todos os anos, o espaço registra milhares de matrículas em cursos presenciais e EAD, incluindo idiomas, informática, redação, gestão pública e formações obrigatórias de assédio moral, sexual e LGPD.

Embora tenha sido criada para atender servidores, a EJA ultrapassou rapidamente os limites da Casa.

Hoje, a maioria dos alunos — diaristas, atendentes de comércio, auxiliares de serviços gerais, entre outros — vem de bairros de toda Cuiabá. Entre eles está Samuel Santander de Freitas, 18, o mais jovem da turma.

Filho de jardineiro, ele trabalha meio período na empresa do pai e passa o resto do dia atento para não perder mais tempo.

“[A EJA] foi uma oportunidade enorme. Consigo trabalhar de manhã, ajudar meu pai e terminar o ensino médio.” Ele planeja cursar Administração para ajudar a empresa da família a crescer.

Em três anos, cerca de 125 alunos já passaram pela EJA da ALMT.

As turmas, com capacidade para 40 estudantes, têm baixa evasão.

Servidores da Casa também concluíram os estudos pelo programa — entre eles, trabalhadores da copa e da equipe de serviços gerais.

Parte dos ex-alunos ingressou no ensino superior, como o caso de uma ex-estudante que hoje cursa Gastronomia.

Mãe de cinco filhos, Elenilda de Oliveira Mota, 42, hoje universitária, voltou a estudar depois de mais de duas décadas longe da escola. Encontrou a EJA da Assembleia em um status de WhatsApp de uma amiga — e decidiu tentar.

“Foi a melhor escolha que fiz”, conta.

O caminho não foi simples: o cansaço depois do trabalho, a renúncia aos bicos que completavam a renda, a energia de casa cortada e até o risco de perder o financiamento do imóvel. Ainda assim, ela seguiu.

Na EJA, diz ter superado dificuldades que carregava desde a infância, inclusive o medo de se comunicar.

“A Telma nunca deixou a gente desistir”, lembra.

Depois de concluir o ensino médio, veio o passo que ela jamais imaginava: ingressou na faculdade. Hoje cursa o segundo semestre na Unic, com bolsa de estudos.

“Eu nunca imaginava chegar aqui. Fazendo faculdade de gastronomia. EJA levantou a minha esperança quando eu achava que não dava mais.”

A força do projeto contrasta com sua baixa visibilidade.

“Nem o prefeito Abílio [Brunini] sabia que a EJA existia dentro da Assembleia”, afirma Santos.

A descoberta motivou o Executivo municipal a replicar o modelo, e a previsão é de que a Câmara de Cuiabá abra uma turma no próximo ano.

A percepção sobre o impacto do programa também chegou à direção da Casa.

“A Escola de Jovens e Adultos da Assembleia já se tornou um orgulho desta Casa. Quando vemos turmas inteiras se formando e pessoas reconstruindo seus projetos de vida, percebemos que o Parlamento pode, e deve, ir além de produzir leis”, afirma o presidente da ALMT, deputado Max Russi (PSB).

“Esses resultados mostram que uma política pública bem estruturada, mesmo dentro do Legislativo, pode modificar realidades e abrir portas que muitos já acreditavam estar fechadas.”

O movimento de expansão também está no radar da Mesa Diretora.

Segundo Russi, a procura crescente confirma que a EJA “é um caminho que deu certo”, e a Assembleia já discute abertura de novas turmas e melhorias de estrutura.

“O futuro da EJA aqui na ALMT é de expansão, com planejamento e responsabilidade, sempre colocando o cidadão no centro das nossas decisões.”

Além das salas de aula, a Escola do Legislativo decidiu transformar as trajetórias dos estudantes em visibilidade pública. Lançado neste ano, o projeto “SEJA – Vidas que Inspiram” reúne reportagens, vídeos, entrevistas e conteúdos sobre a EJA.

“São histórias de muita força, determinação e superação”, explica Castro. A iniciativa busca inspirar novos alunos e reforçar a importância da educação ao longo da vida.

“Eu sempre digo que a EJA é a realização de sonhos”, diz a psicopedagoga Telma Campos.

“Às vezes, o aluno pensa em desistir, mas lembro que o estudo é o começo de tudo.”

No Parlamento, onde decisões moldam o futuro do estado, a escola noturna molda indivíduos — e segue acendendo luzes para quem decidiu recomeçar.





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